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                    RIO DE JANEIRO ANTIGO  
                    08-02-1991 
                    
                  
                    - MORRO  DA CONCEIÇÃO
 
                       
                      Os morros da cidade do Rio de Janeiro, no centro urbano, ainda conservam  bairros tradicionais: Santa Teresa e Morro da Conceição são os  melhores exemplos. Sobretudo este último, mais tradicional, embora mais  decadente e abandonado. Até ficam ruelas estreitas que vão da rua Camerino até  a Praça Mauá, passando pelo Valongo. Inclui um velho observatório, um cemitério  inglês, uma pequena fortaleza e, principalmente, sobrados e casas no melhor  estilo português, pegadas umas às outras, com portais de pedra e janelas  coloniais.  
                      Um pouco da Velha Lisboa em plenos trópicos, com duas ladeiras e povo de traços  lusitanos, invadidos por negros alforriados, mestiços e pobres remanescentes em  cortiços, em casas simples. Mais abaixo os arranha-céus de vidro, o barulho dos  automóveis, o mundo egoísta dos negócios. 
                      Fosse um país desenvolvido qualquer, tal patrimônio arquitetônico seria  valorizado, restaurado, conservado, transformado em zona de artistas e boêmios,  com restaurantes e antiquários.   
                      No Rio de Janeiro, de costas para o moderno, desescondido por trás dos altos  edifícios, para transeuntes indiferentes. 
                       
                      Nos muitos anos que morei no Rio não andei por lá. Olhava de longe, com certa  curiosidade, a silhueta vetusta e pardacenta, encimada no promontório. Nunca  subira antes. Estava mais familiarizado com a mirada dos prédios de  apartamentos do Flamengo, de Botafogo e de Copacabana, com suas curvas sensuais  demarcando a paisagem montanhosa. Mas sentia-se, desde muito jovem, atraído  pelos velhos casarões da região da Praça XV e pela nobreza decadente dos  bangalôs e castelos de Santa Teresa. 
                      Olhava as ladeiras e escadarias de Monte Cristo e da rua Camerino, mas nunca  atrevera-me a subi-las e explorá-las. Só em 1982, depois de ler reportagens nos  jornais e informações, é que decidi subir, no meu FIAT, munido de câmera  fotográfica, para registrar as imagens sobreviventes, a começar pela pitoresca  rua do Jogo da Bola e o palacete, no melhor estilo arquitetônico colonial.  
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                  Foto:  https://historiadoesporte.wordpress.com/2017/01/30/o-jogo-da-bola-no-rio-de-janeiro-do-seculo-xviii/ 
                   
                    Volto  ao local pelas mãos do meu amigo Giacomelli, em um confortável carro com ar acondicionado.  O morro calma, com gente pacífica nas portas e calçadas, vivendo um modesto fim  de semana, solidário e gregário, de relações vicinais profundas. 
                      Um corte transversal no tempo, uma ruptura oblíqua. Um mundo à parte, tão  próximo, tão distante... Nem parado no passado, nem participante do presente,  mas mesmo assim contemporâneo, simultâneo em seu contraste cronológico. Um  ontem-hoje, sempiterno, vigilante, remanescente, indiferente.  
                    
                   
                   
                  
                  Foto:  www.google.com  
                    
                  
                    - Fortaleza  de Santa Cruz 
 
                       
                      Depois atravessamos a ponte na direção de Niterói. Poucos carros disputando os  13 km de pista, depois do                                                                                                 último pacotaço do Collor e da Zélia e do, como sempre,  inevitável reajuste de combustíveis. 
                      E continua válida aquele malicioso epíteto de que  
                      “o melhor de Niterói é a vista do Rio de Janeiro”...  
                      E é mesmo, apesar de tantos pontos de interesse da cidade de Arariboia.  
                   
                   
                   
                  
                  Foto: Wikipedia  
                    
                    
                  “Arariboia  foi um cacique da tribo temiminó, que se tornou fundamental para os  portugueses na conquista da Baía de Guanabara contra os franceses e os  tamoios. Ele é considerado o fundador de Niterói, pois, como recompensa  pela sua aliança, recebeu terras onde hoje é a cidade. Nascido por volta  de 1520, ele foi batizado pelos jesuítas com o nome cristão de Martim Afonso  de Sousa. “ [https:www.google.com/]  
                  Ao  final, depois de olhar igrejas, praias e monumentos, o que predomina sempre é  mesmo o cenário carioca, com o Pico da Tijuca. Onipresente paisagem, em  cada curva da tortuosa orla marítima fluminense. 
                    (Das montanhas do Rio de Janeiro já se disse tudo: que são sem adjetivos). 
                    Nosso destino era o forte de Santa Cruz, que eu conhecia de  cartões-postais e, mais recentemente, pelas cenas da telenovela “Kananga do  Japão”, da Manchete, com o personagem Juarez Távora e outros tenentes  tramando a fuga pelo mar.  
   
                    Acredito que antes não estivesse aberta à visitações. Houve um tempo — síndrome  da Ditadura — em que nem se podia fotografar quarteis e visitas só para  saber de mortos e torturados. 
                    
                  A  fortaleza de Santa Cruz é das mais antigas e bonitas do Brasil. Uma verdadeira  cidadela, à entrada da lendária baía de Guanabara. Começou a ser erguida por Villegagnon,  durante a ocupação francesa, em 1555, a partir da instalação de dois canhões. 
                  Quatro  séculos sedimentam hoje suas pedras superpostas, suas imensas galerias, suas  fortificações antes inexpugnáveis. 
                    O soldado-guia recita frases decoradas de um breve manual, sem muita precisão  histórica, e o folheto distribuído apresenta apenas a cronologia, ressaltando a  defesa do território contra os corsários holandeses e franceses e outros fastos  de nossa história política e militar, desde o incidente da Revolta da Armadas,  passando pela Revolução de 1930, até o último disparo, em 1955. 
                    Uma obra ciclópea sobre a rocha nua.   Canhões dos séculos XVII e XIX, muitos deles  em avançado estado de corrosão pela maresia e  o abandono. 
                  As  construções  civis acumularam-se ao longo  dos anos, desde a capela e as prisões do século XVII, a cisterna da no século  XVIII e as casamatas e paiol do século passado.  
                     
                    O beato José de Anchieta andou por lá. “Consta” que Tiradentes também, na condição de prisioneiro da Inconfidência. De verdade, as crônicas  registram as prisões de Frutuoso Rivera, Bento Gonçalves, Plínio  Salgado e Juarez Távora. 
                    Quantos anônimos morreram torturados, enforcados ou fuzilados em seus labirintos,  quanto penaram em suas solitárias úmidas, escuras e abafadas, em rituais de  sadismo programado? 
                    Hoje é um monumento nacional, dos mais belos e pacíficos. As notícias de  decapitações e mutilações humanas soam como barbaridades do passado. 
                  A quietude e placidez do  local, ladeado pelo mar oceano e pelas águas represadas da baía nada lembram da  violência urbana, ainda mais cruel, por detrás da silhueta bela das edificações  distantes.  
                
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